terça-feira, 21 de junho de 2016

Enzimas celulolíticas

 1- CELULASES

    As celulases são um grupo de enzimas hidrolíticas capazes de promover a hidrólise de celulose natural ou modificada por pré tratamentos em carboidratos menores, como unidades de glucose.
     Quanto a região de atuação no substrato celulósico, as celulases são divididas em
três grupos:

Endoglucanases: Tem como nome sistemático 1,4- b-D-glucana-4- glucano-hidrolase. Sua atuação promove de forma aleatória a hidrólise de regiões internas da estrutura amorfa da fibra de celulose, promovendo a liberação de oligossacarídeos com diversos graus de polimerização, o que resulta em rápida solubilização do polímero celulósico. É, portanto, a enzima que inicia o processo de hidrólise.

Exoglucanases: São enzimas que atuam na região externa da celulose. Compreendem a glucano-hidrolase (EC 3.2.1.74) e a celobio-hidrolase (EC 3.2.1.91). A glucano-hidrolase tem por nome sistemático 1,4- b-D-glucana-glucanohidrolase. Apesar de pouco citada, representa uma importante estratégia na hidrólise da fibra celulósica, pois sua atuação promove a liberação de glicose diretamente do polímero.

   A celobio-hidrolase, cujo nome sistemático é 1,4-b -D-glucana-celobio-hidrolase, participa da hidrólise primária da fibra e é responsável pelo fenômeno da amorfogênese, que promove a desestratificação das fibras por meio de ruptura física do substrato, aumentando as regiões intersticiais e transformando as regiões cristalinas do polímero em amorfas. Dessa forma, a taxa de hidrólise da celulose aumenta, pois o polímero fica mais exposto à ação das celulases. A celobio-hidrolase pode ser dividida ainda em dois tipos: O tipo I hidrolisa terminais redutores e o tipo II hidrolisa terminais não redutores. Tais enzimas são inibidas pelo seu produto de hidrólise (celobiose).


β-glicosidase (EC 3.2.1.21). Tem como nome sistemático b-glicosídeo glucohidrolase. Promove a hidrólise da celobiose e oligossacarídeos solúveis em glicose. Assim como a celobio-hidrolase, também pode sofrer inibição por seu produto de hidrólise. 

2- IMPORTÂNCIA INDUSTRIAL DAS CELULASES

    Nos últimos 30 anos, a demanda de celulases para processos industriais tem aumentado consideravelmente em todo o mundo. Tal interesse é devido à possibilidade de utilizar as enzimas do complexo celulolítico na conversão da biomassa lignocelulósica disponível para a produção de carboidratos, destinados à numerosas aplicações industriais.
     Os primeiros estudos sobre as celulases ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial, quando soldados das forças armadas norte-americanas, instalados nas ilhas Solomon, no Pacífico Sul perceberam a deterioração precoce de objetos fabricados de algodão. Para propor soluções a este problema, uma equipe de trabalho liderada pelo Dr. Elwyn T. Reese, realizando experimentos no laboratório das forças armadas isolou uma linhagem de fungo filamentoso, identificado posteriormente como Trichoderma viride, ao qual foi atribuída a característica de excretar enzimas capazes de degradar celulose. Até 1953, Dr. Reese e seu grupo de trabalho já haviam determinado que enzimas naturais, nomeadas celulases, constituem complexos de diversas enzimas com distintas habilidades na degradação do substrato. Em 1956, Dr. Reese aliou seus conhecimentos aos da Dra. Mary Mandels. A partir desse momento, o foco das pesquisas deixou de ser a prevenção da hidrólise da celulose e passou a ser o melhoramento da produção das enzimas responsáveis por esse fenômeno.
 Elevada atividade celulolítica pode ser obtida a partir dos compostos resíduos agroindustriais empregados, sem a suplementação com nitrogênio, minerais ou vitaminas . A resposta dos microrganismos aos diferentes tipos de indutores, tais como celobiose, carboximetilcelulose, celulose microcristalina, e celulose amorfa, que são indutores de celulases; depende da concentração e do tipo do indutor, e da presença de glicose ou outros açúcares no meio de crescimento.








   Na indústria têxtil, as celulases são utilizadas no processamento de fibras celulósicas com o objetivo de obter tecidos de melhor qualidade e dar efeitos de acabamento em peças tingidas. As celulases também encontram ampla aplicação na indústria de alimentos, papel e celulose, detergentes domésticos, preparados enzimáticos, entre outros.


   
   As enzimas do complexo celulolítico quando atuam em conjunto apresentam sinergismo, isto é, apresentam um rendimento maior do que a soma dos rendimentos individuais, caso atuassem isoladamente. Tal atuação está esquematizada na figura abaixo


                               Figura 1- Modo de ação das enzimas do complexo celulolítico

     Fonte: http://xray.bmc.uu.se/~wimal/projects/research.html


    Atualmente, as enzimas celulolíticas para fins comerciais são produzidas a partir de fungos filamentosos como o Trichoderma reesei (Figura 2), o primeiro fungo a ser utilizado na produção industrial de celulase, e que permanece ainda como a fonte mais utilizada, tendo passado por processos de seleção e mutação ao longo dos anos com o objetivo de aumentar sua produtividade. Além de celulases fúngicas, existem também celulases produzidas por via bactérias aeróbias e anaeróbias.


Figura 2: O Trichoderma reesei





Fonte:  http://www.food-bacteria.net/


     
    Uma aplicação que vem ganhando destaque nos últimos anos é a utilização de celulases para bioconversão de biomassa agrícola e materiais lignocelolósicos em geral em bioetanol. Nesse processo é promovida a hidrólise da biomassa lignocelulósica para conversão da celulose em glicose que se trata de um açúcar diretamente fermentescível pela levedura produtora do etanol.

3 - OBTENÇÃO DE CELULASES

    Na natureza há diversos microrganismos, tais como fungos dos gêneros Aspergillus e Trichoderma, além de bactérias dos gêneros Bacillus, StreptomycesCellulomonas; que produzem enzimas capazes de catalisar a hidrólise da celulose.

    Estes microrganismos podem ser encontrados no solo, degradando matéria vegetal.  Porém apenas alguns desses microrganismos são tidos como verdadeiros celulolíticos, isto é, são capazes de degradar a celulose natural (Figura 3).


Figura 3 - Aparência típica de Trichoderma sp degradando madeira


Fonte: Robert L. Anderson


    Os estudos sobre a produção de celulases não são recentes. Basu e Whitaker, por exemplo, ainda nos anos 50, pesquisavam a estimulação e inibição de enzimas celulolíticas do Myrothecium verrucaria. O objetivo nessa época era propor estratégias para impedir a degradação de tecidos de origem vegetal por esse microorganismo.
      Portanto, desde sua descoberta, a produção de celulases por ação microbiana tem sido objeto de muitos estudos que buscaram estabelecer as melhores condições para a produção dessas enzimas a partir do momento em que foram surgindo aplicações industriais para as mesmas. Os maiores investimentos e esforços na produção de celulases, foram observados no início do século XXI, devido à possibilidade de aplicar as celulases na obtenção de etanol combustível.

  Os processos industriais de produção de celulases envolvem a utilização de um microorganismo como agente metabolizador das fontes de carbono presentes em um meio de cultivo, de forma que as enzimas são sintetizadas e excretadas. Uma grande quantidade de microrganismos tem sido estudada, de forma a selecionar aqueles que apresentem alta produtividade .

  Além dos microrganismos, muitos substratos são pesquisados como indutores na produção das enzimas. Resíduos agroindustriais e biomassa celulósica de baixo custo podem ser utilizados para produzir as celulases, com um rendimento semelhante ao que se obtém com outras fontes de carbono, o que não só reduz grandemente o custo da produção dessas enzimas, mas também podem contribuir para a conservação do meio ambiente .

    Como exemplos de substratos estudados para a produção de celulases, estão o bagaço de cana , casca do maracujá, bagaço de caju, casca de goiaba, entre outros. Tais substratos encontram aplicabilidade como fonte de carbono, fonte indutora e suporte microbiano nos chamados processos de fermentação em estado sólido ou fermentação semissólida (Figura 4).


Figura 4 - Fermentação semissólida da biomassa da palma forrageira por Trichoderma reesei


Fonte: Carlos Bispo


    Os indutores da síntese de enzimas celulolíticas têm duas funções, podem servir como fonte de carbono para o crescimento celular, e como indutores da síntese enzimática. É importante ressaltar que um processo de produção de enzimas celulase não deve causar uma redução drástica na atividade e estabilidade enzimática, uma vez a estabilidade da enzima sob condições adversas é necessária para a sua aplicabilidade em processos industriais. Compreender o mecanismo de estabilidade pode ajudar a projetar processos e operações que não reduzam a atividade nem a estabilidade enzimática.

      Por motivos econômicos, é cada vez mais estudada a produção de celulases "in loco", ou seja, no local onde a celulase será aplicada na hidrólise de materiais lignocelulósicos. A produção de celulases no local é uma estratégia importante para o desenvolvimento de processos de produção de etanol de segunda geração sustentável.


Figura 5 - Aspecto do extrato bruto celulolítico bruto resultante da extração a partir do meio fermentado


Fonte: Carlos Bispo

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