segunda-feira, 27 de junho de 2016

Que tal um bife de fungo?

      Além da produção de enzimas, antibióticos, ácidos orgânicos e uma infinidade de biomoléculas, os microrganismos ainda podem ser utilizados como alimento para pessoas e animais, sendo uma promissora fonte de proteína para tempos futuros. Os microrganismos podem ser leveduras, fungos ou algas. Anteriormente conhecido como " proteína microbiana", as proteínas originárias de microrganismos foram denominadas de Single Cell Protein (SCP)  pelo Prof. Scrimshow do MIT em 1967, por achar que a denominação anterior não contribuía para sua aceitação como alimento.


1- A biomassa microbiana como fonte de proteína: O processo SCP 


     Denomina-se proteina célula única (SCP) " ou " biomassa microbiana " o produto composto de células secas de microrganismos que foram cultivadas em larga escala para comercialização como suplementos na alimentação humana e animal. Embora não tenham uma aparência tão boa quanto um bife assado, são uma fonte de alto teor de proteína, podendo conter aminoácidos essenciais tais como lisina, metionina e cisteína . Além disso, é rica em vitaminas e pobre em gordura .
      
     Geralmente, não se trata de proteínas oriundas de um único microrganismo,  mas de células tratadas de diferentes formas a partir de uma variedade de microrganismos , mono e multicelulares , bactérias , leveduras, fungos ou algas (Tabela 10.1).


        Alguns dos microrganismos comumente utilizados na produção de SCP são: 

Fungos Filamentosos: Aspergillus fumigatus, Aspergillus niger, Rhizopus cyclopium. São de fácil crescimento e colheita. Porém, apresentam taxas de crescimento mais baixas e menores teores de proteínas.
Leveduras: Saccharomyces cerevisae,  Candida tropicalis,  Candida utilis. Apresentam maior tamanho, menor teor de ácido nucleico e melhor aceitabilidade. Porém são de pobre digestibilidade, baixo teor de proteínas e taxa de crescimento lenta.
Algas:  Spirulina sp., Chlorella pyrenoidosa,  Chondrus crispus. Apresentam fácil crescimento e colheita. Tem proteína de boa qualidade. Porém apresentam parede celulósica de difícil digestibilidade e podem concentrar metais pesados.  
Bactérias:  Pseudomonas fluroescens,  Lactobacillus, Bacillus megaterium. Apresentam elevado teor de proteínas e parede celular digerível. Por outro lado, têm alto teor de DNA, pequeno tamanho e baixa densidade.

   A ideia de produzir proteína microbiana surgiu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, período no qual o mundo passava por escassez de alimentos e outros recursos por causa da guerra.   Os alemães produziram em certa escala leveduras e fungo (Geotrichum candidum) para fornecerem proteínas aos soldados (Figura 1 e 2). Com o fim da guerra, outras nações passaram a investir na idéia, como os ingleses, que criaram na Jamaica uma divisão para produção de leveduras. Atualmente, existem plantas em funcionamento para a produção de leveduras na Alemanha, Finlandia, Africa do Sul, Jamaica, India, Formosa e EUA. Tal produção representa uma alternativa para as localidades onde há fontes de carbono baratas, mas com escassez de proteínas e vitaminas.


Figura 1 - Geotrichum candidum em queijo


Figura 2 - Aspectro do Geotrichum candidum ao microscópio


      
       Em 1950, a British Petroleum iniciou uma produção de SCP comercial. A primeira SCP utilizada comercialmente como aditivo para alimentação animal foi o  Pruteen, produto elaborado a partir de bactérias Methylophilus methylotrophus cultivadas em metanol, o qual  continha um teor de proteína de 72% (Figura 4).

Figura 4 - Fluxograma de produção do Pruteen. A direita, biorretor moderno para sua produção


     Em tempos passados, nos EUA eram aproveitadas as leveduras das cervejarias e fabricas de licores para fins alimentícios e medicinais (Saccharomyces cerevisiae, carlsbergensis e elipsoideus). Eram chamadas de leveduras secundárias ( quando o cultivo é específico para estas finalidades, são chamadas de leveduras primárias). Leveduras obtidas de cervejarias têm sabor amargo. Um tratamento consiste na lavagem com NaOH e água, seguida da  adição de  ácido fosfórico (até pH 5,5) e sal, com posterior secagem em secador de tambor. Pode-se adicionar tiamina, riboflavina e niacina. Já as leveduras primárias podem ser obtidas por cultivo de algumas gerações, em meio de melado ou outro similar. Em ambos os casos, as células devem estar mortas, pois o consumo de “tortas de levedura” contendo células viáveis leva a perda de vitaminas.

Figura 4c. Proteína SCP


2- Caracteristicas da SCP

    A SCP  apresenta vantagens em relação a produção de soja. A principal é que sua produção é virtualmente imediata e requer um baixo nível de tecnologia. Normalmente ela ocorre em fermentadores, onde é induzido o crescimento de células microbianas, que são alimentadas com resíduos agrícolas e industrial (Figura 5). A biomassa é então recolhida e adequadamente tratada por processos de secagem antes da comercialização.

Figura 5 - Produção de SCP a partir de resíduos agroindustriais


    Para a utilização por  seres humanos, é necessário um tratamento para remover certos compostos que apresentam riscos nutricionais, tais como o elevado teor de ácidos nucleicos, para garantir a segurança e a qualidade do produto. Proteínas microbianas são semelhantes as da  farinha de peixe, soja ou soro de leite. As suas aplicações alimentares não são limitados ao consumo direto, mas também pode ser usado para o desenvolvimento de outros produtos, tais como lípidos, proteínas, ácidos nucleicos (DNA e RNA), hidratos de carbono e vitaminas.

    Atualmente, a SCP é testada como uma solução para determinados problemas de saúde; em especial, o controle imunológico; como nutrientes em doentes com anemia, hiperglicemia e hipercolesterolemia.Além disso, algumas pesquisas mostraram se possível sua aplicação no tratamento de doenças oculares, tais como retinite pigmentosa, sendo um exemplo da grande variedade de biotecnologia para o progresso, sustentabilidade e bem-estar .


    Nos países desenvolvidos, os altos padrões de vida têm levado a uma crescente demanda por compostos para alimentação animal, proteína de alta qualidade, que são fundamentais para as técnicas modernas para a produção de ovos, aves, gado de corte e suínos. Estes compostos de alimentação preparados para satisfazer os requisitos nutricionais dos animais total de proteína contêm entre 10 e 30% por unidade de peso. Isto é tipicamente fornecida pela adição de farinhas de sementes oleaginosas, tais como soja, ou farinha de peixe e SCP poderia ser uma alternativa válida para algumas destas fontes tradicionais.

Figura 6 - A obtenção de proteína animal não é sustentável e acarreta problemas ambientais. A SCP pode substituir a proteína animal ou proteínas utilizadas na alimentação de rebanhos com muitas vantagens.



    Dentre as vantagens que a SCP oferece está a redução do fluxo de soja, farinha de peixe e cereais para a alimentação animal, o uso de SCP poderia tornar esses produtos mais acessíveis para o consumo humano. 

   Tal processo facilitaria a produção de proteínas na Europa, Japão e outras áreas nas quais  não poderiam ser cultivadas culturas de soja. Nesse caso, a produção em larga escala de SCP tornaria a produção animal nestas áreas menos dependente de proteínas importadas.

   Quando comparado com os métodos tradicionais de produção de proteínas para a alimentação humana ou animal produção em escala industrial de biomassa microbiana para o mesmo uso tem algumas Vantagens: 

  • Os microrganismos geralmente têm uma alta taxa de multiplicação e Facilidade de modificação genética
  • São ricos em proteínas ( em termos de peso seco de biomassa podem conter proteína microbiana 30-80 % ), 
  • Pode-se utilizar um grande número de diferentes fontes de carbono ( algumas das quais são tradicionalmente considerados resíduos ),
  • Os microrganismos podem ser selecionados de forma relativamente fácil, 
  • As instalações de produção ocupam áreas limitadas e apresentam elevados rendimentos 
  • A produção microbiana é independente das variações climáticas e sazonais e são, portanto, mais fácil de planejar .
Como nem tudo são vantagens, algumas desvantagens podem ser apontadas: 

  • Alto teor de ácidos nucleicos que conduzem a níveis elevados de ácido úrico. 
  • Desenvolvimento de pedra nos rins e gota se consumido em alta qualidade. 
  • Possibilidade de a presença de metabólitos tóxicos secundários .
  • Pobre digestibilidade 
  • Diarreia provocada pelo consumo de proteínas estranhas
  • Reações cutâneas de hipersensibilidade.

3. O processo SCP



     As etapas do processo são as seguintes:


1. Fornecimento de uma fonte de carbono: A fonte de carbono deve ser, de preferência, abundante e de baixo custo. Podem ser derivados de petróleo, como o metanol, ou biomassa como algas e resíduos agroindustriais. Estes últimos são preferidos, pois trata-se geralmente de rejeitos da agroindústria, ricos em fontes de carbono e nutrientes, tais como: restos de frutas, verduras, culturas vegetais, industria de laticínios, etc.

2. Preparação do meio de cultivo: Além da fonte de carbono, deve-se fornecer ao meio de cultivo os nutrientes essenciais para o crescimento do microrganismo, tais como fontes de nitrogênio, fósforo e outros essenciais para o microrganismo em questão. 

3. Esterilação do meio de cultivo. A esterilização irá garantir que qualquer outro microrganismo que esteja presente no meio de cultivo ou nas instalações  seja eliminado para não contaminar a SCP produzida com microrganismos indesejáveis.

4. O cultivo dos microrganismos desejados. O microrganismo escolhido é inoculado no meio de cultivo estéril e se reproduz até estabilizar o crescimento. 

5. A separação da biomasa microbiana do meio esgotado. A biomassa produzida é separada do meio de cultivo por filtração ou centrifugação.

6. O tratamento subsequente de biomassa com ou sem operações de purificação específicas. Um dois tratamentos é a desativação e secagem dos microrganismos.

A Figura 8 mostra um esquema para obtenção de proteína animal a partir de proteína microbiana

Figura 8 - Proteína microbiana como ração animal




  4- seleção de microrganismos 

    É um passo muito importante, pois a qualidade da proteína depende totalmente do micróbio que é usado para a produção. Assim, deve ser feita uma seleção cuidadosa da estirpe a ser utilizada. Alguns critérios a serem utilizados são: 
  • Não devem ser patogênicos para plantas, animais ou seres humanos. 
  • Deve ter bom valor nutritivo . 
  • Deve ser aceito como alimento humano ou animal . 
  • Ausência de compostos tóxicos. 
5- os custos de produção

   Os custos de produção são dependentes dos recursos utilizados e estão associados a:
  • A taxa de crescimento do microsrganismo
  • Produção. 
  • O teor de proteína da célula microbiana
  • Requisitos nutricionais da célula e suplementos utilizados
  • As vantagens seletivas do meio utilizado . 
  • Boas propriedades de separação e secagem. 

Referências (Livros): Biotechnology- Dubey,
                                   Basic Biotechnology- Colin & Ratledge,
                                   Molecular biotechnology- Channarayappa
                                   Biotechnology- Satyanarayana.







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